Como é sabido a Covid-19 tem afetado gravemente todos os setores da economia, inclusive os esportes no geral. No Brasil, o esporte que movimenta maior quantidade de dinheiro é o futebol, tendo, em 2018, movimentado cerca de 52,9 bilhões de reais, o que representa 0,72% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, segundo estudo feito pela Ernst & Young Global Limited a pedido da CBF, para analisar toda a cadeia produtiva e impacto do futebol[1].
A Covid-19 interrompeu os campeonatos de futebol em quase todo o planeta. Como não são realizados jogos, não há transmissão de televisão e, consequentemente, as maiores fontes de renda dos times diminuem ou ficam zeradas (direito de transmissão televisiva[2] e venda de ingressos para os jogos).
Além disso, outras fontes de renda dos clubes brasileiros de futebol são a venda de jogadores para outros clubes e a venda de materiais esportivos (ex. camisas). Ambas estão muito prejudicadas uma por conta da própria diminuição da renda dos clubes (que neste caso evitam realizar negociações) e outra pelo fechamento dos comércios e isolamento social. É importante ressaltar que as pessoas, no geral, estão economizando mais dinheiro para o momento de crise, deixando de comprar o que não é extremamente necessário.
Certo é que não é possível precisar o valor da perda de faturamento dos clubes. Todavia, evidentemente esta perda será gigantesca e afetará a todos. Sendo assim, é importante, mais do que nunca, para os clubes gerar novas receitas.
Nesse sentido, percebemos que os esportes eletrônicos mantêm e até aumentam o seu alcance no contexto atual, na medida em que, com a impossibilidade de locomoção por causa da Covid-19, os serviços online dispararam em utilização. Isso se confirma com a grande alta na demanda e nos preços das ações de alguns serviços de Streaming tais como Netflix e Amazon Prime[3].
No Brasil, poucos times possuem uma equipe realmente atuante nos esportes eletrônicos ou e-Sports. Foi criada apenas em 16 de abril de 2020 pela CBF a Seleção Brasileira de e-Sports[4].
No resto do mundo muitos clubes profissionais de futebol possuem equipes de e-Sports para representa-los e essas equipes já movimentam bastante dinheiro. Para um momento como o atual, em que há a paralisação do futebol, uma boa fonte de receita para os clubes poderia ser o investimento em e-Sports, embora os valores movimentados nas plataformas eletrônicas e o futebol ainda não possam ser comparados.
Os e-Sports despontam como importante fonte de renda para os clubes nos próximos anos. O relatório de 2018 Global E-Sports Market Report, da Newzoo demonstra que, globalmente, o mercado dos e-Sports movimentou US$ 1,1 bilhão em 2019 e deveria se aproximar do US$ 1,5 bilhão este ano, sendo que em um cenário mais promissor poderia chegar a US$ 3.2 bilhões[5]. Ainda pequeno em relação ao futebol, mas que pode garantir boa arrecadação aos clubes e ainda com enorme potencial de crescimento.
Vale mencionar que o número final deverá ser próximo do valor tido como promissor por conta da quarentena forçada pela Covid-19 que, como já dito, fez o mercado de jogos eletrônicos no geral crescer ainda mais.
Hoje, no Brasil, não há regulamentação clara acerca da natureza jurídica que se aplica ao praticante de e-Sports: ele se enquadra como trabalhador comum? Como atleta?
Há no Congresso Nacional alguns projetos de lei, sendo que cada um trata o e-Sports de uma determinada maneira, como será aqui abordado.
Os Projetos de Lei 3450/2015 e 7747/2017 basicamente incluem um artigo na Lei 9.615 1998 (Lei Pelé) reconhecendo o e-Sports como esporte. Já o Projeto de Lei do Senado 383/2017 dá a definição do que é o e-Sports, e estabelece que o jogador tem que se considerado atleta.
Este projeto tem enfrentado grande discussão uma vez que dispõe que não será considerado esporte eletrônico o jogo com conteúdo violento ou de cunho sexual, que propague mensagem de ódio, preconceito ou discriminação ou que faça apologia ao uso de drogas. E se não é esporte, seu praticamente não pode ser reputado atleta.
Com o texto legal proposto, não restam dúvidas de que os jogos das categorias “First Person Shooter” e “Third Person Shooter” (jogos de tiro de pessoa contra pessoa que contém, portanto, conteúdo violento) não se enquadrariam na categoria de e-Sports, e a nosso ver, como consequência, seu praticamente não será considerado atleta. Importante informar que o cenário competitivo de jogos dos tipos mencionados é um dos grandes motores do e-Sports, contando com jogos de extrema relevância (e, por consequência, faturamento) no cenário atual, tais como: Fortnite, Counter-Strike: Global Offensive, Overwatch, Tom Clancy’s Rainbow Six Siege, etc. Sendo assim, esse Projeto de Lei do Senado é extremamente controverso no mundo gamer. A título de exemplo, hoje as 3 maiores equipes de e-Sports do mundo têm como alguns de seus jogos bases um ou mais dos jogos citados acima, entre outros com conteúdo violento.
Não obstante em 2019 o jogo mais rentável dentre todos foi o Fortnite[6], jogo de tiro do estilo “Battle Royale” que consiste em 100 jogadores caindo em uma ilha, batalhando entre si, sendo que o último sobrevivente é o vencedor, desta forma é considerado violento pelo Projeto de Lei do Senado. Tendo inclusive distribuído cerca de US$100.000.000 em prêmios no ano de 2019[7].
Segundo a Forbes[8] essas 3 maiores equipes de e-Sports do mundo são a Cloud9 (US$ 400 milhões), a Team SoloMid (US$ 400 milhões) e a Team Liquid (US$ 320 milhões). Os valores apesentados representam o valor de mercado das respectivas equipes.
Como se pode ver, o fluxo de dinheiro movimentado pelo mercado de jogos eletrônicos é gigantesco, mas ainda assim os atletas não têm uma definição legal de sua atividade ou qualquer lei que específica que os proteja.
No Brasil, os atletas de e-Sports enfrentam dificuldades em exercer sua profissão, já que, como dito não há qualquer regulamentação e, por isso, nem é tratada efetivamente como profissão. Sendo assim, como os e-Sports não foram regulamentados como desporto, existe ainda a insegurança se os atletas podem ser enquadrados na Lei 9.615/98 (Lei Pelé). Ou mesmo se são considerados trabalhadores comuns, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Ademais, no mundo dos e-Sports, as equipes normalmente dispõem de uma casa (Gaming House) que serve como centro de treinamentos e muitas vezes de alojamento, de modo que os atletas se mudam para este local.
Para caracterização de vínculo empregatício, de acordo com a CLT, são necessários cumulativamente os seguintes requisitos: habitualidade, onerosidade, pessoalidade e subordinação jurídica e, na nossa visão, os atletas estão propensos ao reconhecimento no vínculo, já que os ditos requisitos nos parecem cumpridos.
Senão vejamos, a habitualidade é clara uma vez que os atletas têm a necessidade de comparecer aos treinos além de, em alguns casos, morarem na Gaming House.
A onerosidade também é outro dos requisitos preenchidos já que o atleta recebe pagamento (salário) além de outras remunerações, tais como o direito de imagem.
A pessoalidade também é outro requisito cumprido, já que o atleta é insubstituível por suas habilidades específicas.
Por fim, a subordinação jurídica está presente na medida em que o atleta deve realizar os treinos determinados pela equipe, têm que ir aos eventos, igualmente determinados pela equipe, deve ser exclusivo deste time. E, por fim, mas não menos importante, há efetivamente um grupo de pessoas controlando diretamente cada atleta.
Assim, qualquer prática abusiva das equipes perante os atletas nos parece que geraria direito de indenização perante a justiça do trabalho. Essas práticas podem ser por exemplo: carga horária maior do que a lei permite sem pagamento de hora extra, não utilizar equipamentos corretos (cadeira, mesa, etc) para segurança médica do atleta, etc.
Ademais, é importante ressaltar que o atleta profissional, segundo a Lei Pelé, possuí direito ao salário e FGTS sobre ele, ao repouso semanal de 24 horas ininterruptas, férias anuais de 30 dias com o acréscimo do respectivo terço constitucional, 13º salário e jornada de trabalho de 44 horas semanais, além disso, este deve ter o registro de sua atividade realizado na sua Carteira de Trabalho e Previdência Social
Não obstante, ressalvadas as peculiaridades de cada esporte e as decorrentes da remuneração estabelecidas na Lei Pelé, o atleta profissional deverá protegido pelas normais gerais trabalhistas e da seguridade social, de forma subsidiária, tal qual preceitua a Lei.
Desta forma, o fato do jogador de e-Sports morar na casa em que ocorrem os treinos dificulta a manutenção dos direitos, além disso, soma-se o fato de o atleta poder usar seu tempo de descanso jogando por diversão. Caso isso ocorra, como controlar se o período jogando é treinamento ou lazer? Por fim, nos parece que o atleta de e-Sports deve ser registrado como empregado e enquanto não há regulamentação específica devem ser usadas para sua proteção e para a elaboração de contratos de trabalho a Lei Pelé e de forma subsidiária a Consolidação das Leis do Trabalho.
[1] https://rodrigomattos.blogosfera.uol.com.br/2019/12/13/futebol-movimenta-r-53-bi-na-economia-do-brasil-mas-so-gera-1-de-imposto/ – acessado em 23/04/2020
[2] https://www.uol.com.br/esporte/colunas/lei-em-campo/2020/04/01/coronavirus-globo-confirma-suspensao-do-pagamento-dos-direitos-de-tv.htm – acessado em 05/05/2020
[3] Bolsas dos EUA sobem com Amazon e Netflix atingindo recordes – https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/04/16/bolsas-dos-eua-sobem-com-amazon-e-netflix-atingindo-recordes.ghtml – – acessado em 24/04/2020
[4] Seleção Brasileira Anuncia Equipe De E-Sports – https://www.futebolnaveia.com.br/wp/selecao-brasileira-anuncia-equipe-de-e-sports/ — acessado em 27/04/2020
[5] E-sports não é (mais) brincadeira – https://www.istoedinheiro.com.br/e-sports-nao-e-mais-brincadeira/ – -acessado em 28/04/2020.
[6] FORTNITE FOI O GAME GRATUITO MAIS RENTÁVEL DE 2019, APONTA PESQUISA – https://vs.com.br/artigo/fortnite-foi-o-game-gratuito-mais-rentavel-de-2019-veja-lista-completa – – acessado em 28/04/2020
[7] https://www.epicgames.com/fortnite/competitive/pt-BR/news/fortnite-world-cup-details
[8] ‘Awful Business’ Or The New Gold Rush? The Most Valuable Companies In Esports Are Surging -https://www.forbes.com/sites/christinasettimi/2019/11/05/awful-business-or-the-new-gold-rush-the-most-valuable-companies-in-esports-are-surging/#6e9773c1324d – – acessado em 28/04/2020