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Aumento por decreto do ICMS veículos usados – passaram a boiada em são paulo

O Governo do Estado de São Paulo montou uma operação de guerra para tentar defender o aumento do ICMS que promoveu no Estado, a partir de questionável delegação de poderes da Assembleia Legislativa para o Governador.

Sobre um bem articulado discurso de necessidade de recursos para fazer frente aos efeitos da pandemia, o Governo Estadual, com ajuda da Assembleia, aumentou o ICMS de vários setores e produtos.

Em português claro: O governo estadual passou a boiada. Legislou no atacado a partir dos Poderes especiais que lhe foram outorgados, fechando os olhos e ouvidos para a particularidade de cada um dos setores envolvidos.

A reação não poderia ser outra. Diversas ações judiciais e movimentos sociais contrários à medida imposta a partir da publicação da Lei 17.293/20 e dos Decretos 65.255/20 e 65.454/20.

O Poder Judiciário provocado por diversos setores a se manifestar, passou a suspender por liminares a eficácia normativa dos instrumentos legislativos que deram vazão à vontade do governo paulista.

Diante deste cenário o Presidente do Tribunal de Justiça foi provocado pelos advogados do Estado, que realizaram o pouco usual pedido de suspensão das liminares concedidas1.

Não é de surpreender que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, através de ato do seu Presidente, houve por fazer uso de legislação que foi criada visando restringir o cabimento de liminares contra o Poder Público com a justa intenção de proteger o interesse público2 e suspendeu as diversas liminares concedidas contra a “reforma tributária estadual”.

Digo que não é de surpreender porque é preciso realizar um exercício de empatia quanto a função do magistrado. Ele é posto a decidir sobre tema complexo, a partir do recebimento unilateral de informações, que vociferam a existência de risco de calamidade pública e indicam (mas não provam) que se a reforma feita por decretos não trouxer ao erário os recursos que projetou, haverá caos, riscos ao Estado, impossibilidade de continuidade de funções públicas básicas e essenciais como a saúde, seguridade e segurança de milhões de paulistas.

Nesta posição, em exercício de cognição sumária e limitada, decidiu o que certamente acredita ser o mais razoável. O magistrado atuando em um mundo hipotético onde argumenta-se que o sistema de saúde será pressionado pelo abandono dos planos privados e as escolas públicas serão invadidas pela evasão das escolas privadas em decorrência do desemprego causado pela pandemia entre outras mazelas, deliberou por suspender todas as decisões que sustavam o efeito dos decretos estaduais.

E fez isso por pelo menos 3 vezes até a data que esta nota é redigida, atingindo até agora o total de 16  decisões singulares, de juízes que haviam concedido liminares contra o aumento do ICMS no Estado.

Afirmo também que é em certa medida inusitado, porque a proliferação de decisões liminares – um dos efeitos que a decisão do presidente Corte estadual tenta obstar – é um sinal claro e inquestionável de que há problemas com o conjunto normativo que o Poder Executivo implementou no Estado.

Ora, não fosse flagrante a inconstitucionalidade dos Decretos combatidos, porque tantos juízes singulares, de diversas comarcas e varas diferentes dos Fóruns da Fazenda Pública Estadual, estariam concedendo as liminares em favor dos contribuintes? Neste particular, a esses juízes vale uma homenagem pela independência intelectual e funcional, atitudes que renovam a esperança pela entrega de Justiça no Estado.

A decisão do presidente do Tribunal de Justiça que suspendeu as liminares deixa uma porta aberta para a volta à legalidade ao lembrar que “a suspensão da liminar transita em âmbito limitado de conhecimento do litígio”.  Até porque, nem precisaria dizer: os instrumentos legais que viabilizam a suspensão das liminares contra o Poder Público e outorgam competência ao presidente do Tribunal de destino dos recursos para declara-la, não podem servir de supedâneo para validar ilegalidades praticadas por outro Poder do Estado, sob o risco de criar o paradoxo inevitável da usurpação da função primeira do Poder Judiciário e de seus magistrados e o desequilíbrio fundamental entre os Poderes da República.

É inquestionável a competência que a legislação confere ao Presidente do Tribunal decidir por suspender as liminares proferidas contra o Poder Público, desde que presentes e comprovados os requisitos legais.  Entretanto, juízes singulares e desembargadores do Tribunal de Justiça, acabaram adotando a mesma posição da presidência e passaram a nela fundamentar negativas de concessão de proteção jurisdicional requerida por diversos contribuintes.

Isso seria até natural de compreender se os pedidos que estivessem sendo apresentados ao judiciário, tratassem de situações jurídicas idênticas. Mas não é o caso.

Infelizmente as reformas propostas pelo Governo Estadual atingem a diversos setores e produtos de formas diferentes, e, por conta disso, ao dar o mesmo tratamento para todos, inevitavelmente, o Poder Judiciário Paulista está fazendo letra morta do princípio constitucional e fundamental da igualdade.

Fica muito clara esta situação quando se avalia o aspecto específico concernente ao segmento de veículos usados. Os comerciantes deste segmento estão frontalmente submetidos a dano irreversível, caso o Poder Judiciário continue mantendo – como vem fazendo – válida a tributação indevidamente estabelecida. Explica-se. A Constituição Federal atribui competência à Lei complementar3 para regulamentar a forma como isenções, incentivos e benefícios fiscais devam ser concedidos ou revogados. Com base nesse fundamento constitucional de validade, a Lei complementar 24/75 determinou que eles seriam concedidos ou revogados mediante Convênios entabulados entre Estados e Distrito Federal.

Assim é que há vários anos (1981, 1990, 1992, 1993, 1994)4, o CONFAZ, órgão que reúne as Secretarias de Fazendas dos Estados e do Distrito Federal, consolidou entendimento e estabeleceu diversos convênios para reduzir a base de cálculo do ICMS na saída de máquinas, aparelhos e veículos usados.

A redução que os Estados conferem à base de cálculo do ICMS sobre os veículos usados tem uma razão lógica e técnica, que atribui caráter de necessidade e obrigatoriedade à sua existência e descaracteriza a redução como um “benefício fiscal” comum.

Como é notório, os veículos usados vendidos de consumidores finais ou pessoas físicas aos comerciantes de veículos, não geram crédito do ICMS quando são adquiridos para revenda. Fez-se, por isso, necessária uma alternativa para prestigiar o princípio constitucional da não cumulatividade do ICMS e viabilizar a adequada cobrança de imposto sobre estas operações.

A solução prática com base constitucional encontrada pelos técnicos dos Estados (inclusive os de São Paulo), foi a de adotar redução da base de cálculo do ICMS para veículos usados, de forma que ele incidisse sobre a margem aproximada de revenda deste bem.

Assim, quando o governo do Estado de São Paulo decidiu por Decreto, vigente a partir de 15 de janeiro de 2021, alterar a base de cálculo do ICMS incidente na venda de veículos usados, aumentando a base tributável de 10% do valor da operação para quase 30%5, abandonou a construção técnica que foi elaborada em conjunto com outros Estados há muitos anos.

O argumento do Estado – expressamente manifestado pelo Secretário estadual Mauro Ricardo Machado Costa6 em live realizada no dia 22/02/2020 pelo Jornal “A Tribuna”7 – é que a decisão do Estado foi cortar em 20% linearmente os benefícios fiscais concedidos pelo Estado.

Assim, segundo ele, dado que a redução de base de cálculo classifica-se tecnicamente como benefício, a medida foi necessária. O argumento utiliza a forma e subjuga a essência.

Não se concebe que o Estado ignore o contexto e os efeitos de suas decisões políticas. É dado fático da realidade que os veículos usados não geram créditos de ICMS na entrada dos estabelecimentos comerciantes e é mandatório ajustar essa situação ao princípio da não cumulatividade do tributo.

Ignorar tal fato para, aproveitando-se da forma utilizada para gerar tal ajuste, esquecer-se da substância para a qual a medida foi pensada é um atentado contra a moral pública.

Questionado sobre esse ponto durante a citada live,o Secretário calou-se e insistiu defender a forma sobre a substância, demonstrando que o Estado está satisfeito com perspectiva de ingresso de recursos e nada preocupado com os meios adotados para obtê-los.

No quadro abaixo, fica claro o quão díspar com o restante do país o tratamento tributário para veículos usados que o Estado de São Paulo impôs.

Fonte: Sitio eletrônico das Secretarias de Fazendas Estaduais, consultados no mês de fevereiro 21

O segmento não suporta uma presunção de margem de 30% porque simplesmente ela não existe na operação.

O Estado tem em seu poder os dados dos valores das transações de compra e venda de veículos usados uma vez que a documentação é registrada no órgão Estadual de Trânsito e sabe, comprovadamente, que não existe uma margem de comercialização de 30% ou 20% como impôs por Decretos.

Na verdade, tivesse sido diligente, o administrador público teria certificado que a margem das operações dos comerciantes de veículos usados gira em torno de 10% e, portanto, não deveria ser alterada a tributação que vigorava no Estado até 15 de janeiro de 2021.

A celeuma não teria se instalado.

Não é preciso muita imaginação para desconfiar que mantida a exigência tributária ilegal como o Estado de São Paulo promoveu, inaugura-se uma nova forma de turismo. O turismo tributário. Consumidores de São Paulo dirigindo-se para outros Estados para adquirir veículos.

Este dado por si só já deveria ser suficiente para motivar que o setor de veículos usados fosse destacado do tratamento genérico que as autoridades do Poder Executivo e Judiciário estão dando para o aumento de ICMS no Estado e prontamente suspender a majoração.

Há especificidade suficiente que, ao contrário das decisões que têm sido tomadas pelo Poder Judiciário, coloca o setor em evidente defesa do bom direito e com risco real da demora na obtenção da prestação jurisdicional.

Sendo mantida a tributação de veículos usados nos patamares impostos pelos Decretos citados, faz-se letra morta dos princípios constitucionais da não cumulatividade do ICMS8 e da vedação da utilização de tributos com efeitos confiscatórios9.

Acrescente-se a esta dura verdade do setor, todas as demais argumentações referentes a inconstitucionalidade das alterações legislativas promovidas no Estado, que também socorrem ao segmento.

Há clara afronta às Constituições Federal e Estadual e ao Código Tributário Nacional10, que definem como indelegável a competência para legislar sobre tributação, e consequente desafio ao Estado Democrático de Direito, com a relativização da tripartição de poderes11.

Há cristalina afronta ao constitucional e legalmente protegido princípio da estrita legalidade tributária12.

Sabemos que o tempo do direito não é o tempo dos fatos. Mas há situações em que a intervenção do Poder Judiciário deve ser imediata, para afastar e socorrer o administrado contra atos lesivos praticados pelo administrador.

No caso concreto tratado nesse artigo, tardar é falhar contra a própria existência das empresas do setor e, a partir daí, participar de todas as consequências concretas e contra os interesses público e sociais delas advindas.

Luiz Eduardo Vidigal Lopes da Silva

Advogado, especialista em direito constitucional, pós graduado em direito tributário e mestre em direito pela FGV. Sócio de LSA – Lopes da Silva & Associados advogados , focado no segmento da distribuição automotiva. E-mail: luizeduardo@lopesdasilva.adv.br


1 Processo em trâmite perante o TJ SP nº: 2004492-69.2021.8.26.0000.

2 Leis nº 12.016/2009; 8.437/1992; 9.494/1997.

3 Art. 155, § 2º, VII, letra g da Constituição Federal

4 Convenio ICM 15/81; ICMS 50/90; ICMS 154/92; ICMS 33/93; 151/94.

5 Entre janeiro e março e 20% a partir de abril.

6 Mauro Ricardo Machado Costa, Secretário Estadual de Projetos, Orçamento e Gestão.

7 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Z1EQ5-brwYk.

8 Artigo 155, § 2º, I da Constituição Federal; Artigo 165, I, § 2º da Constituição do Estado de São Paulo.

9 Artigo 150, IV da Constituição Federal; Artigo 163, IV da Constituição Estadual de São Paulo

10 Artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea G – Constituição Federal; Artigo 5º, § 1º e Artigo 163, § 6º – Constituição do Estado de São Paulo; Artigo 7º – Código Tributário Nacional.

11 Artigos 1º e 2º da Constituição Federal.

12 Artigo 150, I – Constituição Federal ; Artigo 163, I  – Constituição do Estado de São Paulo; Artigo 97, II – Código Tributário Nacional.


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Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – Legítimo interesse

De acordo com a Lei 13.709/18 – Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em especial seu artigo 7º, o tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado para uma finalidade específica de tratamento e se esta finalidade estiver apoiada em uma das 10 Bases Legais.

Dentre as Bases Legais elencadas na LGPD destacamos a Base Legal do Legítimo Interesse – que nada mais é do que a possibilidade do tratamento de dados pessoais para atender aos interesses legítimos do Controlador ou de terceiros para finalidades legítimas:

  • de apoio e promoção de suas atividades;
  • proteção do titular, do exercício regular dos seus direitos ou prestação de serviços que beneficiem o titular dos dados, respeitadas suas legítimas expectativas e seus direitos e liberdades fundamentais.

A utilização desta Base Legal do Legítimo Interesse deve ser cuidadosamente analisada pelo Controlador dos dados na sua situação concreta, balanceando os interesses do Controlador com os direitos e liberdades fundamentais do titular dos dados.

Ela não é uma Base Legal Coringa!!! Ela não pode substituir qualquer outra Base Legal ou ser utilizada indiscriminadamente em qualquer situação ou em qualquer finalidade de tratamento dos dados.

A LGPD não dispõe a fundo sobre as diretrizes que devem ser adotadas pelas empresas para utilização desta Base Legal e muito do que temos visto está baseado na experiência da Europa. O Information Commissioner’s Office (ICO), uma autoridade independente do Reino Unido, recomenda a elaboração de um Teste do Legítimo Interesse (Legitimate Interests Assessment- LIA) para balancear, de um lado, os interesses do Controlador e, de outro lado, os Direitos e Liberdades Fundamentais do Titular dos Dados.

Assim, para que a Base Legal do Legítimo Interesse seja utilizada pela empresa de maneira consistente o Teste do Legítimo Interesse deverá ser aplicado a cada uma das finalidades de tratamento dos dados.

No que consiste este Teste do Legítimo Interesse?  Este teste é feito em quatro fases:

Primeira fase do Teste – Legitimidade do Interesse – consiste na verificação se o interesse do Controlador de fato é legítimo e se existe alguma legislação que proíba o tratamento (artigo 10º – caput da LGPD).

Exemplo: Analisar que não existe legislação que proíba a realização de propaganda pela Concessionária através de email marketing para o titular de dados (consumidor) que já adquiriu veículos na Concessionária ou já manifestou interesse em adquirir veículos.

Segunda fase do Teste – Necessidade – Verificação, pelo Controlador, da necessidade de utilização do dado pessoal para aquela finalidade do tratamento do dado (artigo 10º, parágrafo 1º da LGPD).

Exemplo: para enviar o email marketing preciso utilizar o email do titular do dado? Sim, para enviar o email marketing é necessária a utilização do email do titular.

Terceira fase do Teste – Balanceamento – Consiste no balanceamento e verificação da legítima expectativa do titular dos dados e os interesses do Controlador. A empresa não deverá ferir nenhum dos direitos do titular, mas ao mesmo tempo deve prestar atenção às suas atividades e interesses (artigo 10º, II da LGPD).

Exemplo: O Controlador deve analisar se o titular do dado, ao receber o email marketing da Concessionária, achará aquele recebimento estranho ou não, ou seja, se o titular do dado alguma vez fez contato com a Concessionária ele não estranhará ao receber referida propaganda, ele tem uma expectativa do recebimento já que a empresa não lhe é estranha, pois em outra oportunidade seus dados já foram entregues para a Concessionária. 

Quarta fase do Teste – Salvaguardas – Esta fase do Teste do Legítimo Interesse deverá ser utilizada para a empresa verificar internamente se os titulares dos dados podem exercer seus direitos (“optout”, oposição, etc.) e que a empresa verifique também que serão adotadas medidas para garantir a transparência do tratamento dos dados (artigo 10º, parágrafos 1º e 2º da LGPD).

Exemplo: no caso analisado podemos colocar que o controlador deverá garantir medidas que possibilitem ao titular dos dados solicitar seu “optout” parando de receber o email marketing.

A experiência europeia demonstra que feito o Teste do Legítimo Interesse e passando em todas as etapas, a empresa poderá utilizar a base legal do Legítimo Interesse. Vale colocar que o Teste deverá ficar armazenado na empresa, independentemente de o resultado ser positivo ou negativo para utilização da referida base.

Outro aspecto importante sobre o Legítimo Interesse é que, de acordo com a LGPD, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados poderá solicitar ao Controlador Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais, quando o tratamento estiver fundamento no Legítimo Interesse, observados os segredos comercial e industrial (artigo 10º, parágrafo 3º da LGPD).

O Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais – também conhecido como Data Protection Impact Assessment (DPIA), conforme disposto na LGPD deverá conter, no mínimo, a descrição dos tipos de dados coletados, a metodologia utilizada para a coleta dos dados e para a garantia da segurança das informações e a análise do controlador com relação a medidas, salvaguardas e mecanismos de mitigação de risco adotados. (parágrafo único do artigo 38 da LGPD)

Por fim, apesar das empresas utilizarem o direcionamento vindo da Europa sobre a utilização da Base Legal do Legítimo Interesse, nos próximos meses a Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD – deverá se posicionar quanto à utilização desta Base Legal de forma que tenhamos um direcionamento mais claro e dirigido às atividades das empresas no Brasil.