Categorias
Sem categoria

Medida Provisória Nº 927/2019 e a decisão do STF

Sérgio Schwartsman (1)

No último dia 29 de abril de 2020 o Supremo Tribunal Federal (STF) apreciou, em conjunto, diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) que discutiam a Medida Provisória (MP) nº 927.

As ADIs foram as de nºs 6.342, 6.344, 6.346, 6.348, 6.349, 6.352 e 6.354, que alegava inconstitucionalidade de diversos artigos da MP em referência.

Inicialmente o Relator, Ministro Marco Aurélio, havia negado as liminares em todas as ações, mas determinando que as mesmas fossem reapreciadas pelo Pleno do STF, o que ocorreu, como dissemos, no último dia 29 de abril.

A decisão desse referendo foi no sentido de considerar válidas quase todas as disposições da MP nº 927, com exceção de dois dispositivos, quais sejam, os arts. 29 e 31, mas que não alteram a essência da norma, mantendo-se as suas regras mais relevantes, especialmente aquelas que visam criar alternativas para redução da circulação de pessoas, especialmente para reduzir a prorrogação da Covid 19; redução de custos e, principalmente, as que visam a criação de alternativas para manutenção dos empregos.

A MP estabelece, a nosso ver, como questão principal,  que “para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas, (i) o teletrabalho, (ii) antecipação de férias individuais, (iii) a concessão de férias coletivas, (iv) o aproveitamento e a antecipação de feriados, (v) o banco de horas, (vi) a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, (vii) o direcionamento do trabalhador para qualificação e (viii) o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.

Todas essas regras foram tidas como constitucionais e mantidas em vigor, de tal sorte que podem ser adotadas, por empregadores e empregados, a fim de tentar diminuir a disseminação do vírus e ainda evitar as dispensas, diante da significativa retração da economia. Esse é o foco principal da MP e foi mantido intacto.

Com a suspensão de apenas os dois artigos indicados acima, manteve-se, portanto, todos os demais, especialmente o art. 2º que estabelece que:

“Art. 2º – Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição

(destacamos)

Tal regra é de suma importância para agilizar a tomada de decisões nesse momento de crise (especialmente porque as discussões em nível coletivo tendem a ser mais demoradas, correndo o risco de se tornarem ineficientes), sempre visando garantir a manutenção do emprego. Não se trata de salvo conduto para prejudicar o trabalhador e lhe retirar direitos, mas sim de mecanismo para as partes (empregadores e empregados) dialogarem a fim de encontrar a melhor solução para a manutenção das relações empregatícias, visando evitar as dispensas dos empregados.

É extremamente relevante destacar que foi concedida validade a esse artigo, que permite o Acordo Individual, com prevalência sobre outros instrumentos normativos, em especial as Normas Coletivas, MAS DEVEM SER RESPEITADOS OS LIMITES CONSTITUCIONAIS.

         Os dispositivos que foram suspensos, como já dissemos, são os arts. 29 e 31, que estavam redigidos nos seguintes termos:

“Art. 29. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”.

“Art. 31. Durante o período de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor desta Medida Provisória, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora, exceto quanto às seguintes irregularidades:

 I – falta de registro de empregado, a partir de denúncias;

II – situações de grave e iminente risco, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas à configuração da situação;

III – ocorrência de acidente de trabalho fatal apurado por meio de procedimento fiscal de análise de acidente, somente para as irregularidades imediatamente relacionadas às causas do acidente; e

IV – trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil”.

O art. 29 estabelecia, como regra, que a contaminação pelo coronavírus não seria considerada como doença profissional, exceto mediante comprovação do nexo causal, ou seja, se ficasse comprovado que a contaminação se deu no exercício do trabalho.

Com todo respeito e acatamento, reputamos que a suspensão desse dispositivo legal traz pouco, ou nenhum, efeito prático.

Ora, já estava estabelecido que se ficasse provado o nexo causal da doença com as atividades do empregado, a Covid 19 seria considerada doença profissional (era a exceção da parte final do artigo). Com a suspensão desse artigo, não há mais essa previsão da MP nº 927, de modo que vamos para a regra geral, qual seja, doença profissional é aquela adquirida no exercício do trabalho, de modo que, ainda pela regra geral, deve ser comprovado o nexo causal entre a doença e as atividades desenvolvidas.

Ou seja, “trocou-se seis por meia dúzia e para seis novamente”, pois, antes da MP nº 927, para se doença profissional, já devia haver comprovação de nexo entre a doença e o trabalho, com a redação do art. 29 da MP nº 927, ficou mantida a regra de que, se provado o nexo da doença com o trabalho, seria reputada como doença profissional e agora, com a suspensão do art. 29, voltou à regra original de que, deve haver comprovação de nexo entre a doença e o trabalho para que seja reputada doença profissional.

Já em relação ao art. 31 da MP nº 927, ainda nos parece que a sua suspensão traz pouco efeito prático, pois as questões mais sérias de violação de direitos trabalhistas (falta de registro, proteção à saúde em face de risco iminente) e até mesmo humanos (por exemplo, trabalho infantil ou em condições análogas à de escravo) já estavam na exceção que permitiam a fiscalização e atuação, se fosse o caso.

Para as demais situações, deveria haver apenas orientação. Mas com a suspensão desse artigo, em tese, os Fiscais, verificando irregularidades, já poderiam lavrar a autuação. Mas aqui duas questões precisam ser levantadas, quais sejam, (i) em face da pandemia e das restrições de circulação, é razoável “colocar os fiscais na rua”, sujeitos à contaminação e/ou transmissão da Covida-19? e (ii) já há a previsão legal (art. 627 da CLT) acerca do critério de dupla visita, ou seja, a primeira é para orientação e determinação para ser sanada eventual irregularidade e somente a segunda com a finalidade punitiva; assim suspenso o art. 31 da MP, se volta a esse regra e, então, a primeira visita deve ter caráter orientativo. Nada muda.

Essas são, a nosso ver, as principais questões a serem destacadas em relação à apreciação feita pelo STF acerca da MP nº 927, especialmente de que na essência, a MP foi tida por constitucional e mantida e aquilo que foi suspenso, pouco ou quase nada a altera.